sábado, dezembro 29, 2007

Mudança



Há mais de um mês eu procurava sair do perrengue que é levar mais de uma hora pra chegar ao trabalho e quase duas pra voltar pra casa. Visitava sites de imobiliárias quase diariamente, e fazia o difícil percurso de conhecer um número incomensurável de apartamentos, a grande maioria toscos e apertados.


Esta é uma diferença marcante entre a zona norte e a zona sul do Rio de Janeiro. Naquela, os apartamentos são suficientemente amplos, enquanto nesta qualquer quarto e sala é um ovo, não de avestruz ou galinha, mas de codorna mesmo. As pessoas que realizam a transição zona norte - zona sul geralmente se contentam em morar em cubículos, já que, afinal de contas, estão indo para a zona sul. Não foi o meu caso. Minha mudança tinha a ver com a distância e com as intermináveis horas que eu perdia de vida dentro de ônibus, muitas vezes lotados. Por isso não bastava ser zona sul no sentido estrito do termo – ou seja, Copacabana, Ipanema, Leblon. Não queria nada disso, mas sim um lugar que fosse bem perto do trabalho. Por isso, me concentrei na área que considero “centro-sul” do Rio: Flamengo, Catete, Laranjeiras (a parte baixa, claro).


E foi neste último bairro que consegui ser feliz: uma sucessão de acasos e lances de sorte fizeram de mim um ilustre morador do bairro das Laranjeiras, a uma quadra do metrô do Largo do Machado, a quinze minutos (e não mais 1h40) do trabalho. A Internet foi instalada há pouco, e posso finalmente voltar a escrever, ler e-mails, essas coisas. Mudar é um perrengue sem tamanho, e a sensação de ansiedade com todas as mudanças se mistura ao estresse de resolver pendengas com Light, CEG, Telemar, Oi, proprietários, administradores e cartórios.


Mas o mais difícil é adaptar-se a viver no olho do furacão. Até semana passada, eu morava no pacato bairro do Grajaú, que um amigo chamara (com certo exagero) de “a Urca da zona norte”, tal a tranqüilidade do bairro, com suas ruas cheias de tamarindeiras, seus botecos com bêbados conhecidos (e não alcoólatras anônimos) e suas confeitarias magistrais (me dói saber que o Vilamore não estará mais a passos de distância). O silêncio reinava no meu apartamento – a não ser quando era eu mesmo o causador de barulhos até altas madrugadas, que já me renderam penosas multas de três dígitos.




visual da minha janela no Grajaú, com ampla área verde
e o Morro dos Macacos ao fundo.





Agora, parece que estou no centro de convenções da Babilônia: carros, ônibus, comércio, lojas Americanas na porta de casa, mil pedestres pululando por todos os lados, um frenesi rasgado. Sei que sentirei falta do meu cantinho aprazível da zona norte, mas não há nada que pague a tranqüilidade de se morar perto do trabalho e, claro, do boêmio bairro da Lapa, destino de 90% das minhas incursões noturnas.




visual do novo apê em Laranjeiras, com a pontinha do Morro da Urca
e do Pão de Açúcar de brinde.



Ano novo vem aí e, já que estou no caos urbano mesmo, e valendo-me da máxima de que um peido a mais não é nada pra quem já está cagado, passarei o reveillon em Copacabana, na companhia de 2 milhões de pessoas e ao som de 22 mil bombas e fogos de artifício. Quem viver verá.



Beijos a todos e boas entradas, independente de sua preferência.


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terça-feira, dezembro 11, 2007

Show dia sim, dia não


Quinta-feira: Paulinho da Viola no Canecão



Sempre tive uma birra com o Canecão. Mesmo estando localizado em terreno da UFRJ, e pagando um aluguel irrisório, eles insistem em cobrar preços exorbitantes para os shows. Durante uma época, não aceitavam minha carteirinha de estudante por ser do Mestrado, como se mestrando não fosse estudante (aliás, foi a época em que mais estudei na vida).


Atualmente, por conta de uma política de democratização cultural, é possível comprar ingressos a 20 reais (10 estudante) mas só no próprio dia, chegando uma hora antes da bilheteria abrir. E pra sentar num lugar péssimo Como eu disse à Gigi, é como assistir um show numa poltrona da classe econômica da TAM, com os joelhos batendo na da frente. E a ruiva, loucamente apaixonada pelo da Viola, comprou ingresso Rayovac: setor AAA. Com direito a bafo de Elton Medeiros no cangote.


Ao adentrar o grande Caneco, eis que o céu desaba numa chuva torrencial. E nós felizes pra cacete, protegidos pelas grossas paredes da casa de show, ouvindo Paulinho cantar “não sou em quem me navega, quem me navega é o mar” enquanto a tempestade inundava a cidade de São Sebastião.


Naturalmente que não me propus a ficar nas apertadas poltronas, e fui com minha bonita assistir de pé o show. A banda é afinada e o cenário é ótimo, ficando à mercê da iluminação que faz com que cada música tenha uma cor, indo do vermelho de Coração Leviano ao azul de Dança da Solidão, passando pelo verde, pelo laranja, e daí por diante. O modelo Acústico MTV, apesar de desgastado, não influi muito num show de samba, mantendo violões, cavaquinhos e instrumentos percussivos. E a serenidade do Paulinho, que já debati aqui, faz com que qualquer apreciador de samba se deixe levar pelas suas harmonias descomplicadas e por seus singelos versos.





Sábado: The Police no Maracanã

Confesso que, apesar de gostar de futebol, vou muito pouco ao Maracanã. De modo que todo o perrengue para entrar no gramado no dia do show do The Police (havia algumas dezenas de milhares de pessoas fazendo o mesmo) fica pra trás quando se avista o gigante anel do estádio repleto de gente. Melhor ainda é quando isso acontece ao som de uma boa banda de rock – no caso, falo dos Paralamas, pra mim uma das poucas bandas de rock dos anos 80 que não estragou a própria carreira nas décadas subseqüentes.


Alguns podem achar estranha esta opinião, mas acho que Herbert, que nunca foi um grande cantor, está mais afinado do que antes do acidente que lhe confinou à cadeira de rodas. A banda continua indefectível – aliás, os músicos do Paralamas também se diferenciam de seus colegas da geração BRock por serem excelentes instrumentistas. E a forte influência do The Police fica clara, especialmente nas canções mais antigas.


Falando nos coroas britânicos, Sting, Andy Summers e Stuart Copeland, embora não demonstrem tanta “química” juntos, ainda conseguem animar milhares de pessoas com seus hits inesquecíveis. Há excessos nos solos de Summers (o cara não é nenhum Clapton para dar uma de guitarrista virtuose), mas a voz de Sting continua afinada e as viradas de Copeland continuam bem azeitadas. Mas o impressionante mesmo são os nababescos telões e a iluminação dos caras. E, claro, erram, como sempre erram nestes portentosos eventos, os organizadores e produtores por não facilitar o acesso da galera do gramado às bebidas, gerando enormes filas nos poucos postos de venda.





Segunda-feira: Maria Rita no Rival

Este show da Maria Rita foi a última gravação do programa Palco MPB de 2007, onde artistas cantam suas músicas intercaladas com conversas descontraídas mediadas pelo apresentador do programa. Fui crente que meu nome estaria na lista de convidados. Não estava, mas o porteiro me deixou entrar mesmo assim (terá sido por pena?). A porta do teatro Rival estava abarrotada de gente que queria ver e ouvir a filha de Elis. Destacavam-se alguns grupos de mulheres ensandecidas, que gritavam histericamente durante o show da cantora como se estivessem diante dos Fab Four nos anos 60.


Tal como no formato do Acústico MTV do Paulinho, a apresentação de Maria Rita é alicerçada por uma grande preocupação com a produção do espetáculo, desde a iluminação até o figurino da cantora (um vestido curto daqueles hiper brilhantes, feitos de lantejoulas ou coisa que valha). Os músicos também são excelentes, contando, entre outros, com o experiente Jota Moraes no piano e na flauta, com Sylvinho Mazzuca no contrabaixo acústico (que acompanha a cantora desde o primeiro disco) e com o emergente Leandro Sapucahy, que produziu o último trabalho da cantora e divide a percussão no palco com Neni Brown.


Com todos estes cuidados, não há muito onde errar. No repertório do show aparecem os destaques dos dois primeiros discos (como as três músicas do hermano Camelo que ela gravou no disco de estréia), mas o grosso é baseado no último, Samba Meu. Criticado por ser impecavelmente produzido, puxando alguns arranjos para uma linha jazzista e perdendo, assim, aquele gosto do bom samba de roda, penso que um dos pontos positivos do disco é o fato de apostar em sambas novos, e não cair na mesmice de repetir os mesmos lá-la-iás que se ouve em qualquer noite no Democráticos ou em outra casa de samba da Lapa.


No fim do show, Arlindo Cruz, autor de seis sambas gravados pela cantora em Samba Meu, apareceu com sua imensa barriga para dar uma canja. A platéia caiu no samba, reforçando a idéia de que show bom é show de graça. E se a voz da cantora ainda lembra a da mãe, pra mim foda-se: a voz do novo queridinho do samba Diogo Nogueira também lembra bastante a do pai João, e alguém o critica por isso?



Como música é minha paixão número um, pretendo continuar neste ritmo: num dia música com cerveja, no outro o merecido descanso pra começar tudo de novo. Aguardem os próximos relatos.

terça-feira, dezembro 04, 2007

"Antigamente" e "hoje em dia"




O filho que um dia terei nascerá num mundo dominado pela tecnologia digital. Das fotos aos vídeos, das fotocópias aos textos, das músicas aos caixas de supermercado e balanças das farmácias, tudo obedecerá (como já obedece) o mesmo sistema de digitalização de dados, deixando a velha mecânica de lado.


Quem tem mais de 20 anos acompanhou o descortinar deste mundo digital, em muitos casos surpreendendo-se com a velocidade nauseante com que os símbolos da tecnologia de outrora foram descartados. Estes, que chamarei carinhosamente de velhos, não conseguem aplacar o sentimento nostálgico que lhes invade quando pensam em “antigamente”. Antigamente, muitas vezes, é um lugar idealizado descolado da realidade, construído a partir de lembranças seletivas que tendem a fazer deste “antigamente” um lugar muito mais plácido e interessante do que o “hoje em dia”, termo que representa a morada dos que chamarei pejorativamente de jovens.


Os velhos acham que o mundo de “hoje em dia” é mais violento, mais corrompido, mais esvaziado de valores do que o mundo de “antigamente”; acreditam que os jovens de “hoje em dia” não têm a consciência e a participação política dos jovens de “antigamente” e, com grande freqüência, valem-se de exemplos lúdicos dos tempos de “antigamente” para desqualificar as diversões tecnológicas tão caras aos jovens de “hoje em dia”.


Não há dúvida: embora fascinado pelas inovações tecnológicas do mundo de “hoje em dia”, me identifico mesmo é com o bonde dos velhos. E sinto, a cada ano que passa, a invasão deste saudosismo quando penso nas diferenças que existirão entre o “hoje em dia” do meu filho e o “antigamente” de seu pai:


Meu filho irá franzir a sobrancelha quando avistar minha Olivetti Lettera 82. Meu filho irá se referir ao telefone do jeito que eu me referia ao aparelho dentário: fixo e móvel. Meu filho terá alguma dificuldade em posicionar uma agulha no sulco que divide uma música da outra num disco de vinil. Meu filho sempre terá o impulso de olhar atrás da câmera após tirar uma foto para ver como ficou, e nunca compreenderá como é que um dia pagamos tão caro por um filme com apenas 12 “poses” que não podem ser vistas, deletadas ou refeitas. Aliás, meu filho nem saberá o que é um filme de câmera, e talvez eu tenha que ensiná-lo como é que a luz imprime imagens dentro daquela caixinha escura utilizando um papel fotográfico dentro de uma lata de Nescau (tal como fez meu professor de fotografia na oitava série).


Meu filho estranhará saber que, há pouco tempo atrás, só se assistia televisão na própria televisão, e só havia uma em cada domicílio familiar. Não fará idéia da utilidade que um par de palitos com bombril na ponta já tiveram em nossas vidas. Olhará com curiosidade todos os itens mencionados acima, bem como fitas de Atari, VHS, cassetes e disquetes. E, finalmente, meu filho não conseguirá, por mais hercúleo que seja o esforço, imaginar que “antigamente” a vida era possível sem computador e telefone celular.


Eu sou do bonde dos velhos, e o bonde dos velhos não entende o sintomático ditado da era digital:




sexta-feira, novembro 23, 2007

4

Em 1991, ano do Rock In Rio II, o jovem Arthur arranhava incipientes solos e acordes em sua primeira guitarra, uma Gianinni Stratosonic preta que tinha um adesivo do Bart Simpson, comprada um ano antes. I used to love her foi a primeira canção que aquele garoto de 12 anos que queria mudar o mundo aprendeu a tocar, fruto da influência das bandas que se apresentaram no festival supracitado.


E foi neste mesmo ano de 1991 que o jovem Arthur conheceu um magrelo cabeludo chamado Leonardo Villas Boas, vizinho de bairro com um ano a mais de vida e de experiência guitarrística. No mesmo dia em que se conheceram, o jovem Lelo emprestou ao jovem Arthur uma fita cassete e um disco de vinil, que influenciariam decisivamente o gosto musical deste último.





A fita cassete continha a gravação do quarto disco do Led Zeppelin (sem título, conhecido como IV, ZoSo ou Four Symbols), disco cujo valor devido o jovem Arthur só daria anos mais tarde. E o vinil tratava-se de ...And Justice For All, do Metallica. Aparentemente, não são notadas maiores semelhanças entre os dois álbuns, tirando o fato de serem ambos bons discos de rock. Mas atentem para o detalhe percebido por um cara que, apesar de ser das letras, é também fascinado por relações numéricas:


Led Zeppelin IV, de 1971, é, obviamente, o quarto disco do Led. E ...And Justice, de 1988, é o quarto disco do Metallica. A quarta faixa do quarto disco do Led é Stairway to heaven, talvez a balada de rock mais conhecida do mundo (o disco é um dos mais vendidos do mundo, ultrapassando as 30 milhões de cópias). E a quarta faixa do quarto disco do Metallica é One, a balada mais conhecida da banda e o primeiro clipe deles oficialmente lançado. Ambas as canções são baladas épicas que duram em torno de 7 minutos, com vários climas, indo do dedilhado melódico ao peso da distorção, com um super solo de guitarra no fim. E foram as duas canções que praticamente me hipnotizaram naquele dia longínquo.


Na época, eu já simpatizava bastante com o número 4, que é o andamento básico de quase todo roquenrol (além de representar milhares de outras coisas, como os 4 elementos da natureza, os 4 pontos cardeais, os 4 cavaleiros do apocalipse, os 4 tipos durkheimianos de suicídio etc.). Mas depois desta fenomenal coincidência, elegi definitivamente o 4 como meu número da sorte.







Se você também é fascinado por relações numéricas, a ponto de ficar efetuando operações aritméticas com os números da placa do carro da frente, vá ler O Homem que Calculava, de Malba Tahan. E se você curte um bom rock n’roll, vá ouvir não só o quarto álbum, mas TODA a discografia do Led Zeppelin!

segunda-feira, novembro 19, 2007

Exercícios de Retórica

Certeza XXIII:
Queria ser a pessoa inconstante que sou para sempre. Mas como estou sempre mudando, isso dificilmente acontecerá.



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Aforisma IV:
Existem dois tipos de pessoas no mundo: as que acreditam que existem dois tipos de pessoas no mundo, e as que discordam dessa visão.



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Lei XLII:
A frase “eu nunca minto” pode ser usada por qualquer um. Um potencial mentiroso estaria apenas mentindo mais uma vez e, afinal de contas, o que é um peido pra quem já tá cagado?



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Axioma XII:
Se algum amigo, chefe ou caso amoroso discordar constantemente do que você diz, simplesmente diga: “você nunca concorda comigo!!!”. Qualquer que seja a resposta, a pessoa lhe dará razão.



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Regra I:
Toda regra tem sua exceção. Com exceção desta.

terça-feira, novembro 13, 2007

A terceira idade de Paulinho




Desde o dia de ontem, 12 de novembro, Paulinho da Viola já pode andar de ônibus sem pagar passagem e sentar nos bancos de cor laranja do metrô. Se o visse no ônibus, tal como Paulo Bono em relação a Dona Canô, eu cederia meu lugar a este grande sambista, que completou 65 anos mantendo a mesma calma e serenidade que sempre foram características de sua personalidade.



Filho de César Faria, violonista do conjunto Época de Ouro (que acompanhava Jacob do Bandolim) que faleceu há poucas semanas, Paulinho cresceu respirando música na sua casa em Botafogo, onde conheceu sambistas e chorões como o próprio Jacob, Pixinguinha, Canhoto da Paraíba e muitos outros músicos de primeira linha. Através do amigo Hermínio Bello de Carvalho, Paulinho ouviu sambas de compositores como Zé Ketti, Elton Medeiros, Carlos Cachaça, Cartola e Nelson Cavaquinho.



Foi também Hermínio quem o levou para conhecer o Zicartola, lendário restaurante do sambista Cartola e sua mulher, dona Zica, localizado na tradicional rua da Carioca, onde artistas, jornalistas, intelectuais e outras pessoas se reuniam para ouvir Cartola, Zé Ketti, Elton Medeiros entre outros. O Zicartola funcionou por apenas 20 meses (entre 1963 e 1965), tornando-se ponto de encontro de sambistas da zona norte e estudantes da zona sul. Foi lá onde Paulinho recebeu seu primeiro pagamento como músico (um “troco pra passagem” dado por Cartola) e onde ganhou, de Zé Ketti e Sérgio Porto, seu nome artístico (afinal, Paulo César não era nome de sambista, diziam. Leia mais sobre essas histórias aqui).



Nesta mesma época iniciou-se a paixão do sambista pela Portela, escola onde desfilaria pela primeira vez em 1965. Já no carnaval seguinte, a escola se consagraria campeã com um samba de Paulinho, que recebeu dos jurados a nota máxima. No mesmo ano de 1966, Paulinho lançou o seu primeiro disco como artista solo, Na Madrugada (em parceria com Elton Medeiros), que contém a música “14 anos”, uma das letras que mais gosto:



Tinha eu 14 anos de idade / Quando meu pai me chamou / Perguntou se eu não queria / Estudar filosofia / Medicina ou engenharia / Tinha eu que ser doutor / Mas a minha aspiração / Era ter um violão / Para me tornar sambista / Ele então me aconselhou / Sambista não tem valor / Nesta terra de doutor (...)




Segundo consta na biografia do seu site oficial, o período mais fértil de Paulinho é aquele em que compreende os 11 discos que lançou pela gravadora Odeon. São, na minha opinião, os melhores discos do cantor, com destaque para vários títulos como Zumbido, Memórias Chorando e Memórias Cantando. Mas o melhor de todos, na minha modesta opinião, é A Dança da Solidão, de 1972, que contém as canções “Ironia”, “Pagode na casa do Vavá”, a homônima “Dança da Solidão” e a minha predileta: “Meu mundo é hoje”, a melhor letra escrita pelo hoje sexagenário Paulinho da Viola:



Eu sou assim, quem quiser gostar de mim eu sou assim.
Meu mundo é hoje não existe amanhã pra mim
Eu sou assim, assim morrerei um dia.
Não levarei arrependimentos nem o peso da hipocrisia.
Tenho pena daqueles que se agacham até o chão
Enganando a si mesmo por dinheiro ou posição
Nunca tomei parte desse enorme batalhão
Pois sei que além de flores, nada mais vai no caixão.








Dicas pra quem curte Paulinho: todos os cds da fase Odeon, que foram relançados e são encontrados nas Americanas a 10 pratas cada, e os DVDs Meu tempo é hoje (um documentário sobre o cantor), Acústico MTV (que saiu agora em 2007) e Saravá, um filme de 1969 feito pelo francês Pierre Barouh que, além de imagens de Paulinho da Viola, tem também registros raros de Maria Bethânia, Baden Powell, João da Bahiana e Pixinguinha.

quinta-feira, novembro 08, 2007

Владимир Ильич Ленин

"Um passo atrás e dois pra frente é um progresso"
Lenin





Ontem foram completos 90 anos desde que, liderando o exército vermelho bolchevique, os camaradas Lenin e Trotsky tomaram o poder na Rússia, motivados pelos ideais de Marx e Engels (principalmente no que concerne a Filosofia da Práxis e os escritos do Manifesto do Partido Comunista). A guerra civil que então se instaurou no país resultaria, entre outras coisas, na derrota do menchevique Kerenski e do exército branco (formado por asseclas do czar Nicolau II), na retirada da Rússia da Primeira Grande Guerra (no próprio ano de 1917), na supressão das grandes propriedades rurais da Igreja e da nobreza (confiadas agora à direção de comitês agrários formados por camponeses), no controle das fábricas pelos operários e na criação do Partido Comunista - além, é claro, da criação, em 1924, da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, a URSS.




Em que pese qualquer crítica referentes à forma como o socialismo foi implantado e gerido naquele país, é evidente que o triunfo da Revolução Russa mostrou ao mundo uma alternativa ao modelo (econômico, político e ideológico) capitalista e à especulação financeira - que logo depois, na crise de 1929, mostraria uma de suas faces mais grotescas. E qual a melhor forma de se lembrar de tão importante e singular acontecimento? Enchendo o bucho de bebidas e comidas típicas, é claro!!!






Quem lê este blog há algum tempo sabe que Cascarravias é o melhor piloto de fogão abaixo da linha do Equador. E foi com a ajuda de seus dotes culinários que recebi minha bonita, Gigi, Juliano, Davos, Zucca, Ledas, Dida e o pequeno Francisco (ainda na barriga da mãe) para rodadas de caipirinhas de vodka e alguma cerveja, é claro, que ninguém é de ferro. O prato principal não poderia deixar de ser strogonoff - que, originalmente, tratava-se de uma gororoba feita da mistura de tiras de carne com sal grosso e vodka que os soldados russos carregavam em suas andanças no século XVI, e que foi modificada pelos franceses, séculos depois, com a introdução do molho de tomate e a supressão da vodka, tornando-se mais próxima ao "estrogonofe" que conhecemos.










E depois da janta, com o bucho mais cheio, comecei a pensar que eu me organizando posso desorganizar. Palavras de um pernambucano do fim do século XX, que evocam a filosofia basilar do vitorioso Soviet de Petrogrado.

segunda-feira, novembro 05, 2007

Dia de São Flávio


Quinta passada, mais que dia de todos os santos e véspera de feriado, foi data da celebração dos 50 anos do Flávio, esse sujeito que você vê ao lado da minha mãe na foto acima. Está, aliás, ao lado dela desde que eu tinha 12 anos. Naquela época, Flávio soube encarar meu estranhamento inicial com muita paciência, bom humor e alguma malandragem (no primeiro dia que saímos juntos, pagou-me uma dezena de picolés dragão chinês na praia. Isso mesmo, uma dezena).


Tenho contato permanente com meu pai biológico (que mora em São José dos Campos com a esposa e minha irmã caçula, doze anos mais nova), mas pouquíssimo convívio. Já o Flávio, mesmo sem contribuir com material genético, foi sem dúvida muito importante para minha formação e socialização enquanto filho, enquanto amigo e enquanto homem. Trouxe uma nova perspectiva para uma casa habitada por um adolescente e duas moças (minha mãe e minha irmã, essa cinco anos mais nova). Viveu os maiores perrengues da vida paterna, que estão na fase da educação de jovens rebeldes. Eu era uma peste e, não importa qual fosse a merda na qual me envolvesse, Flávio sempre estava lá, ajudando minha mãe a não aumentar a taxa de mulheres que sofrem ataques cardíacos antes dos 40.


Hoje, passados mais de quinze anos, consigo avaliar o quão importante foi esta entrada do Flavinho na minha vida e na de minha família, e quantas mudanças positivas ele trouxe para nós, com seu bom humor, sua malandragem e seu talento para gracinhas bobas de duplo sentido (um dos grandes legados que herdei, com muito orgulho). E estou certo de que, com exceção de cabelos, ele também ganhou muita coisa ao ser recebido no seio da família.


Um beijo, Flavinho, e um feliz aniversário do teu filho de criação.





p.s. – se você leu a palavra “seio” no último parágrafo e pensou em sacanagem, entendeu como é que a nossa cabeça funciona!



p.p.s. – se você leu a palavra “cabeça” e pensou besteira de novo, bem-vindo ao clube!

quinta-feira, novembro 01, 2007

Kant, o filósofo virgem

O alemão Immanuel Kant (1724-1804) prestou um grande serviço à filosofia de sua época, que era dominada por duas correntes distintas de pensamento: de um lado, racionalistas como o holandês Spinoza e o francês Descartes (aquele que pensa, logo existe) formavam a galera do continente, que via na consciência do homem a base de todo o conhecimento humano. Do outro, empiristas como o escocês Hume, o o inglês Locke e o irlandês Berkeley (que dizia que “ser é ser percebido”) fechavam com o bonde da ilha, apostando que as coisas só existem a partir do momento em que podem ser percebidas pelos sentidos humanos.


Pra resolver a pendenga filosófica, Kant desenvolveu um pensamento nem tanto ao mar nem tanto à terra, acreditando que os racionalistas atribuíam uma importância exagerada à razão, enquanto os empíricos eram parciais demais ao defender a experiência centrada nos sentidos. Ou seja: Kant concordava com os empíricos quanto ao fato de que devemos todos os nossos conhecimentos às impressões dos sentidos. Mas, puxando a sardinha pro lado dos racionalistas, dizia que nossa razão também contém pressupostos importantes para o modo como percebemos o mundo à nossa volta. Em nós mesmos, portanto, existem certas condições que determinam nossa concepção do mundo, mundo este que só pode resultar de uma representação que fazemos de todas as condições e determinações extrínsecas. Assim, Kant concorda com a idéia de Hume de que nunca saberemos como o mundo é “em si”, mas apenas como é “para mim” ou “para nós”.


Para Simmel, o conceito de individualidade adquire a sublimação intelectual mais elevada na filosofia de Kant. Isto porque situa na liberdade todo o valor moral do ser humano, valor este que depende da responsabilidade que temos perante nossos atos. Daí deriva a fórmula do imperativo categórico de Kant: “Age apenas segundo aquelas máximas através das quais possas, ao mesmo tempo, querer que elas se transformem numa lei geral”. Esta frase, sem dúvida a mais reproduzida do filósofo, expressa uma ordem e uma generalidade (por isto chamada de imperativo categórico) calcadas na busca pela igualdade dos homens.


Tais valores – igualdade, individualismo, liberdade – são basilares da cultura que surgiu na Europa do século XVIII, e encontraram em Kant o seu principal baluarte filosófico. Jostein Gaardner, em O Mundo de Sofia (um belo livro pra quem deseja iniciar-se na história da filosofia ocidental), acredita que, com Kant, termina “toda uma épica da história da filosofia”, já que o filósofo teria conseguido “encontrar uma saída para o impasse a que a filosofia tinha chegado através da briga entre racionalistas e empíricos”.


Se você está pensando algo do tipo “um cara como esse não deve ter sido normal; no mínimo, deve ter morrido virgem”, provavelmente está certo. O comportamento profundamente metódico do alemão faz o personagem de Jack Nicholson no filme Melhor Impossível parecer um adolescente revoltado. Kant passou seus 80 anos de vida sem sair de sua cidade natal, a pacata Königsberg (que hoje se chama Kaliningrado e pertence à Rússia). Acordava pontualmente às 5 da manhã e deitava-se às dez da noite; dizem que os vizinhos podiam acertar o relógio pela hora que percorria o bosque da cidade. Antes de dormir, ia para o quarto – cujas janelas ficavam fechadas o ano inteiro – e se enfiava na cama de barriga para cima. Puxava a ponta do cobertor por sobre o ombro direito, passava-a por trás das costas até o outro ombro e daí trazia-a até a altura do umbigo. Devidamente empacotado, embarcava no sono. Caso alguma necessidade o despertasse no meio da noite, uma corda presa entre a cama e o vaso sanitário lhe servia de guia para não tropeçar no escuro.


Mas e a vida sexual do cara, não é disso que queremos saber? Ora, basta dar uma olhada no livro A Vida Sexual de Immanuel Kant, escrito nos anos 40 pelo francês Jean-Baptiste Botul. Lá, descobrimos que Kant achava o sexo um desperdício de energia vital. Para ele, o sêmen, a saliva e o suor eram fluidos que, preservados, ativavam o metabolismo e tinham potencial rejuvenescedor. Expelidos, trariam fraqueza e envelhecimento precoce. Por isso, Kant caminhava bem devagar – para não transpirar – e condenava veementemente a masturbação.



Como se vê, é fácil supor que o cara morreu mesmo virgem – e o que é pior, nem uma bronha batia, já que considerava a atividade um desperdício de fluidos. Não duvido que, se todo o tempo que neguinho gasta por aí falando merda, pensando sacanagem e suando no calor brasileiro fosse empregado em investigações intelectuais, teríamos produzido incontáveis tratados filosóficos e criado a mais importante escola de pensamento do planeta.

segunda-feira, outubro 29, 2007

Teen Festival



Com a inconstância do Rock In Rio – que debandou pra Lisboa (???) – e a proibição de eventos apoiados por marcas de cigarro – o que nos privou de bons eventos como o Free Jazz Festival e o Hollywood Rock –, restou aos cariocas contentarem-se com o Tim Festival, que firmou-se como o maior evento de música do Rio ao trazer uma miríade de artistas desconhecidos para cenários nobres como o MAM e a Marina da Glória.



Trazer desconhecidos não é problema, pois, como disse recentemente aqui, o carioca gosta mesmo é de um evento, de ver e ser visto, de dar uma azarada e mostrar as últimas tendências da moda “alternativa”. Do alto dos meus 29 anos, notei que pelo menos 80% do público presente era mais novo do que eu – estava, inclusive, acompanhado de algumas pessoas que nasceram no fim da década de 80, o que ainda soa como um absurdo para mim (e justifica o título carismático desta postagem).





Sim, meus caros, eu fui ao Tim Festival. Não para assistir a Bjork, cujas músicas, para não ser maldoso com os modernos, eu diria que não entendo. Queria era ver o show do Arctic Monkeys, a banda de rock queridinha da vez, o fenômeno inglês que vendeu, só no seu país de origem, 120 mil cópias do disco de estréia (e isso apenas no dia do lançamento, chegando a 340 mil ao final da primeira semana). Os garotos da banda, nascidos entre 1985 e 1986, fizeram um show honesto, nada mais que isso. Perfeito pra quem gosta das músicas e se contentou em simplesmente ouvi-las, uma atrás da outra, sem maiores firulas espetaculares – como foi o meu caso.


De maneira geral, a mídia elogiou o evento e, de fato, algumas fatores devem ser enaltecidos – como a decisão da organização de manter a lotação máxima bem abaixo da capacidade dos palcos, o que permitiu que se pudesse transitar sem maiores problemas mesmo nos shows com ingressos esgotados. Agora, não me sinto à vontade para elogiar um evento com as características que irei numerar em abaixo.





As pulseirinhas: embora entenda a necessidade das pulseirinhas coloridas para este evento (afinal, eram três palcos diferentes e uma área comum, e a pulseira permite o ir e vir do público), sempre associo o artefato a uma prática desprezível: a de hierarquizar a importância de grupos sociais através da categoria VIP (very important people). Recentemente, por exemplo, a CBF proibiu a venda de bebidas alcoólicas no jogo do Brasil contra o Equador, no Maraca, por tratar-se de “um jogo para a família brasileira”. Mas no camarote da mesma CBF, artistas globais, acompanhado dos filhos, mamaram gratuitamente litros de cerveja na área vip, e litros de uísque na área vipvip. Asqueroso, concordam? E não forma poucas as pessoas que vi no Tim com mais de uma pulseira no braço, mesmo depois de terminados os shows. Entendi que essa galera não tirava a pulseira por tratar-se de um símbolo de distinção, quiçá de prestígio social. Um nojo.



O preço: Um copo de plástico cheio de chope custava 4,50. Um cachorro quente do tamanho de um celular, 5 merréis. E a fila para adquirir um produto destes era quase sempre looooonga. Bebi cinco chopes, comi um cachorro, morri em quase 30 pratas e passei quase metade do show do Hot Chips, que abriu pro Monkeys, na fila. Sem contar que os ingressos para os shows mais esperados custavam 180 miguelitos cada. Quem foi ver Bjork e Arctic Monkeys no mesmo dia e não era estudante teve que morrer em 360 pratas (pelo menos, para alguns, valia pela onda de ostentar duas pulseirinhas no braço). É impressionante a clivagem socioeconômica que rola nesses eventos, que parecem exclusivamente voltados para a classe A e para malucos como eu dispostos a empatar toda essa grana em um único show de rock. Os ingressos para o show do The Police, que vem ao Rio no fim do ano, custarão entre 160 e 500 reais. E, acreditem, esses de 500 já esgotaram no primeiro dia de venda.



O amadorismo: embora incensado como o maior evento de música do Rio, a organização teve a brilhante idéia de botar o palco das atrações brasileiras em área aberta, não contando com a chuva torrencial que desabou no Rio desde a quarta passada. Resultado: Montage, Vanguart e Del Rey, bandas brazucas que eu queria assistir, tiveram os shows simplesmente cancelados. A organização disse que quem comprou os ingressos só pra ver as bandas de rock poderia entrar no dia seguinte de graça, quando tocariam DJs de música eletrônica! E quem é do rock como eu ficou como? Acertou: puto da vida.

segunda-feira, outubro 22, 2007

Às moças que fazem minha vida mais colorida




Dedico a presente postagem, de número 100, às moças sorridentes da foto acima: Zucca, minha bonita e Gigi, grandes amigas (sendo minha bonita bem mais que isso) que foram à Comuna da Glória - foco de resistência política e cultural capitaneado pelos camaradas Cássio e João - assistir a uma apresentação descontraída do Errata. Outras pessoas queridas, como Juliano, Carlésima e Lady Gahyva, também nos brindaram com suas presenças. Abaixo, eu e Lelo levando um som na Comuna, enquanto Digas e Davos trocam uma idéia e minha bonita sorri pra câmera da Gigi.




sexta-feira, outubro 19, 2007

Elite da Tropa

“Quando o tenente Santiago empalou um vagabundo do Andaraí com uma vassoura pra ele confessar onde estavam as armas, não estava promovendo uma cena de sexo, como muita gente boa da polícia andou dizendo por aí. Não era sexo. Sei lá o que era, mas sexo não era. Aliás, o cara acabou dando as armas. De qualquer modo, acho que o Santiago tinha mesmo uma certa vocação para diretor de filme pornô, um negócio meio perverso: antes de empalar o gerente, ele cercou a boca de fumo e prendeu todo mundo: fogueteiros, aviõezinhos, viciados... Todo mundo. Depois, mandou os rapazes baixarem as calças e determinou que as meninas fizessem boquete em todos eles. Montou uma verdadeira coreografia devassa. A garotada toda em fila, ombro contra ombro, calça arriada. As garotas foram postas de frente para eles, numa linha paralela. Três, quatro metros de distância entre um gênero e outro. Olhos nos olhos. Tudo muito severo, metódico, simétrico e disciplinado, Elas tiveram de baixar as alças dos vestidos ou arregaçar as blusas para exibir os peitinhos. Algumas foram sorteadas para a tarefa ingrata. Se você pensou que as escolhidas, por uma incrível coincidência, foram as meninas da favela, acertou. As patricinhas brancas foram poupadas. Só tiveram de assistir. Cabe a você deduzir se houve racismo ou pragmatismo. Ou os dois. Não se brinca com filhinhas de classe média, impunemente. E tem mais. Santiago avisou: os meninos que não ficassem de pau duro iriam entrar na porrada e, ainda por cima, seriam autuados.


(...) Vá entender os mistérios da alma humana. Eu não tenho essa pretensão. Por isso, não me deixo impressionar pela veloz metamorfose do Santiago. Ele chegou à capital, devolvido à nossa selva por sua própria resistência à prostituição da polícia. Não sou eu que estou dizendo. Ele é quem usava essa expressão. A ironia está justamente aí. Seis meses depois de se estabelecer na capital e dois anos antes de se transferir para o batalhão em cuja esquina matou o tal cara do Andaraí, Santiago já não era o mesmo. Copacabana derreteu o rigor puritano. A praia, as mulheres da noite, os turistas, as oportunidades. Sabe-se lá. No 19º Batalhão, Santiago se converteu no personagem que, nós, do BOPE, chamamos "um convencional típico". Só que pior do que isso, bem pior, como você vai ver daqui a pouco. Uma espécie de conversão ao contrário. Ele se rendeu à fé no deus pagão. Ou se entregou ao panteísmo, ao hedonismo. Sei lá como definir. Melhor dizer claramente: optou pela bandalha, o escracho, a sacanagem. Passou a representar o pior da polícia convencional. Tudo aquilo que eu e meus companheiros do BOPE mais odiávamos. Resultado: toda sexta-feira, lá estava o Santiago, supervisionando a coleta da propina do bicho e dos pontos especiais.


Os pontos especiais variam conforme as características do bairro. As saunas, boates e casas de massagem são os exemplos mais comuns, sobretudo aquelas que preferem não ser incomodadas com batidas policiais para verificar a idade das meninas de programa, ou dos rapazes que fazem michê. É voz corrente que, na segunda batida, os clientes que têm um nome a zelar desaparecem para sempre e o empreendimento acaba condenado à falência. As clínicas de aborto e as oficinas mecânicas não autorizadas, que invadem as calçadas e atravancam as ruas, também são boas fontes. Estacionamentos irregulares e postos fixos de camelôs, agenciados por empresários do ramo, rendem uma boa grana. A polícia vive do que é ilegal. Quanto mais desordem houver, maior o lucro dos convencionais.”


Trecho do livro Elite da Tropa, de Luiz Eduardo Soares, André Batista e Rodrigo Pimentel

terça-feira, outubro 16, 2007

Livre (???) pra buscar um lugar ao sol

Para ser social e moralmente aceito, o sucesso (enquanto fim) não deve ser desprovido de sofrimento (enquanto meio). Ao contrário, tal como gostariam os estóicos, uma boa dose de sofrimento é precisamente o que irá legitimar o sucesso, caso este de fato se realize. “Subir na vida de forma honesta”, portanto, é sinônimo de trabalhar de forma quase desumana, de “batalhar”, de “dar duro” enfim, para que se possa chegar a uma posição economicamente privilegiada e dizer: “ralei muito pra chegar onde cheguei”.


Perseverança, determinação, vontade de vencer: esses são os valores basilares de uma sociedade de indivíduos orientados “a correr atrás”, a “buscar seu lugar ao sol”, como canta um certo troglodita quarentão que se porta como um garoto de 15 anos. (Aliás, chega a ser sintomática a cabeçada que Chorão deu, tempos atrás, no nariz de Marcelo Camelo, do Los Hermanos, que canta justamente que já não quer mais ser um vencedor e, por isso, leva a vida devagar).


No espectro de valoração do caminho necessariamente tortuoso que leva alguém à “vitória”, vir de uma “origem humilde” conta muitos pontos. Só que as chances de alguém de origem humilde chegar a uma posição economicamente exaltável são bastante reduzidas, em face da elitização educacional que está, via de regra, submetida aos caprichos do capital financeiro.


Ocorre então que, para conseguir vencer na vida, sob condições desiguais de acesso a educação, saúde, cultura e cidadania de uma forma geral, o desafio de milhares de brasileiros e brasileiras é mais ou menos parelho a disputar uma corrida contra um velocista queniano, começando 100 metros atrás, com dez segundos de desvantagem, de olhos vendados e sob um calor de 40 graus. É por isso que muitos precisam se valer de expedientes ilegais, de modo a não serem atropelados pelo rolo compressor do capitalismo.



Aprendemos com o sociólogo Robert Merton que existem dois elementos de prima importância em dada estrutura social e cultural: um deles é o grupo de objetivos culturalmente definidos como legítimos para todos os indivíduos – no caso em questão, “vencer na vida”. O outro elemento é aquele que define, controla e regula quais são os meios aceitáveis para se alcançar tais objetivos – aqui, em maior ou menor escala, estamos falando de “vencer na vida através do trabalho honesto, se possível com algum sofrimento”.



Uma sociedade mal-integrada, ou anômica, seria aquela na qual os objetivos estão dados, mas não se tem controle dos procedimentos para atingi-los, cabendo a cada um “se virar” e “dar seu jeito” para tanto. Ou seja: algo bastante parecido com uma certa sociedadezinha que conhecemos bem de perto.

segunda-feira, outubro 08, 2007

MPB, forró e hip hop... com guitarras!

Minha querida amiga Rubia, também conhecida como Gigi,
momentos antes do show da Roberta Sá.





A bela cantora potiguar, soltando sua voz no palco do Rival.






mas esses cílios são postiços, né não?







Sábado, festa na UniRio, com show da banda A Cor do Sol, cuja vocalista é minha querida amiga Suzane. Forró arretado sem sanfona e com guitarra elétrica? Sim, meus amigos, é possível, e essa galera prova isso no palco.









Fechando a noite na UniRio, o projeto coletivo Pino Solto,
de David, Lelo e Coutinho, disparando versos irreverentes
ao som de bases eletrônicas e uma guitarra.
Ué, mas hip hop com guitarra?
Sim, isto também é possível!



sexta-feira, outubro 05, 2007

Orgulho de ser rubro-negro

Não sou daqueles fanáticos por futebol que sabem o nome de todos os jogadores que já passaram pelo seu time e o ano de todos os títulos conquistados. Mas gosto de futebol o suficiente pra me emocionar com alguns momentos proporcionados pelo Flamengo, meu time do coração desde a época em que Zico fazia a alegria dos flamenguistas. Pros mais novos terem uma idéia do que o Zico representava para a criançada, dêem uma olhada nesse vídeo.


Já mais velho, um dos momentos mais marcantes que o time me proporcionou foi em 2001: Petkovic marcou um gol espetacular contra o Vasco, lá onde a coruja dorme, garantindo o quarto tricampeonato carioca do Mengão. Vou repetir: o Flamengo ganhava o campeonato carioca três vezes seguidas pela quarta vez, colocando mais uma estrela para o manto sagrado. Ninguém precisa ser flamenguista pra se maravilhar com o gol do sérvio, como vocês podem ver aqui.



E ontem o time da maior torcida do Brasil voltou a me emocionar, bem como a todos que foram ao Maraca ver o Flamengo ganhar, de um a zero, do líder isolado do campeonato, invicto há 16 partidas. Só que ontem eram 11 jogadores do São Paulo contra 70 mil rubro-negros.









Vocês não imaginam o número de emails que flamenguistas como eu recebem quando o Fla está na zona de rebaixamento. E é por isso que sigo feliz assoviando o hino do meu time, sabendo que não torço prum time que nasceu pra ser vice ou morrer na praia. O Flamengo, mesmo quando vai mal das pernas, consegue emocionar milhares de cariocas e de brasileiros.







segunda-feira, outubro 01, 2007

Carioca gosta é de evento

O título auto-explicativo fala do riscado que eu entendo, mas talvez possa ser generalizado. Jana, Samantha, Vivi, Paulo e Nana dirão se o mesmo ocorre em Fortaleza, Londrina, BH, Salvador e Brasília. Mas é fato que, no Rio, neguinho curte mesmo é um evento.




Explico o que trouxe essa reflexão à baila: neste sábado, contrariando os amigos que acharam insana a idéia, fui ao cinema sozinho assistir Paranoid Park, do Gus Van Sant, um filme entre os vários que estão em cartaz por ocasião do Festival do Rio. Comprei o ingresso com seis horas (!!!) de antecedência, porque sabia que, na hora, todas as sessões estariam esgotadas. E não deu outra. Deparei-me com uma fila homérica em frente ao Estação Botafogo, cheia de modernos que não queriam perder a oportunidade de participar do evento. Em outros anos, já vi pessoas que assistiram mais de 30 filmes nos quinze dias do festival, e já me deparei com lotação esgotada para um filme marroquino falado em dialeto africano com legendas em francês.



A mesma cena se repete nos demais festivais e grandes eventos que pululam na cidade. O Tim Festival, que já foi Free Jazz na época em que marcas de cigarro podiam patrocinar eventos culturais (pausa para um suspiro de saudade do Hollywood Rock), costuma trazer atrações absolutamente desconhecidas do grande público, e engana-se quem pensa que esses shows ficam vazios. Bruno Levinson, produtor do maior festival de música independente do Rio – o Humaitá Pra Peixe –, já me falou que se fizer o mesmo show, com as mesmas bandas, no mesmo local, só que uma semana depois do evento, não consegue público.



É que o carioca gosta mesmo de evento. Gosta de fazer parte do calendário cultural da cidade. Gosta, como disse Foucault, de ver e ser visto, ainda que isso implique em assistir um filme tosco ou uma banda bizarra – até porque a atração em si é o que parece menos importar. E no final das contas, consome-se qualquer produto cultural de merda porque a chancela do festival/evento garante uma certa legitimação.



A marca é tão importante que se chegou ao absurdo de realizar uma edição do Rock In Rio em Lisboa, com show de Ivete Sangalo. E quando se apagam as luzes, o público corre pra comprar a camiseta onde lê-se: “Rock In Rio: eu fui”. Pois o importante não é apenas participar, mas poder mostrar ao mundo que você esteve lá. E quem seria louco de perder?

sexta-feira, setembro 28, 2007

Adorno e o plugging


Era difícil ser um intelectual alemão nos anos 30. O Instituto para a Pesquisa Social, fundado em 1924 nos domínios da também recém-criada universidade de Frankfurt, nem chegara a completar uma década de atividade quando Hitler ascendeu ao poder e ordenou que seus capangas da Gestapo fechassem todos os focos de resistência ao governo nazista. Com a chapa mais quente que o solo senegalês, pensadores germânicos, marxistas e judeus como Horkheimer e Adorno tiveram que se pirulitar da terrinha, e aportaram nos EUA – aquele em 1934 e este em 1938 – para dar continuidade aos seus trabalhos.



Foi no território ianque que Adorno tomou conhecimento de uma cultura organizada em bases industriais – até então, ele ignorava “em que medida o planejamento racional e a padronização impregnavam os chamados meios de massa” (palavras do próprio). Visivelmente bolado com o caráter manipulatório e opressor do que chamou de indústria cultural - termo que se popularizaria amplamente nas décadas seguintes -, Adorno se tornou um de seus mais mordazes críticos. Seu primeiro artigo em terras americanas possui um título forte e auto-explicativo: Sobre o caráter de fetichismo e a regressão na audição.



Ater-me-ei, todavia, a um mecanismo que o autor descreve em On Popular Music, escrito ainda no final dos anos 30. Trata-se do plugging, que seria, segundo Rodrigo Duarte, a “repetição ad nauseam pelos meios de comunicação (no caso, o rádio) de uma canção, até que o público goste dela, independentemente de ela ter qualidades musicais ou não”. Esse mecanismo seria fruto de uma acordo entre as principais agências interessadas na difusão e consumo de um produto musical, ou seja, gravadora, rádio, empresário etc.



A partir daí, inicia-se um processo que Adorno descreve tal qual um roteiro, seguido pelo ouvinte após algumas audições:



1. você ouve a música e lembra vagamente de já tê-la ouvido antes;
2. você identifica a canção (é o hit tal!)
3. você submete a canção a um rótulo (isso é rock, é samba, é axé, é pop)
4. você realiza uma espécie de auto-reflexão no ato de reconhecimento (“conheço isso: isso me pertence”)
5. você faz uma transferência psicológica de reconhecimento/autoridade ao objeto (“esse hit é legal”!)



Já me vi realizando inconsciente – e conscientemente também – este ritual. A questão da familiaridade está muito relacionada às formas modernas de apreço. Conhecer é possuir, possuir é gostar, e não necessariamente nessa ordem. Uma coisa é você se pegar assobiando aquela canção detestável do “Sandy Jr.”; outra é você realmente admitir que gosta dessa canção, e muitas vezes gosta simplesmente por causa da previsibilidade, porque sabe cantar, porque já conhece, porque sabe o que vai acontecer depois.



Se eu gosto de uma música, escuto-a mil vezes, diariamente, semanalmente, sem me cansar. Sou um obsessivo em matéria de música e, fazendo um breve retrospecto, já cheguei perto de furar discos de Michael Jackson, Guns N’Roses, Metallica, Megadeth, Pantera, Sepultura, Death, Carcass, My Dying Bride, Planet Hemp, O Rappa, Nação Zumbi, Mundo Livre e Los Hermanos. Atualmente, escuto o disco da Roberta Sá todos os dias.



Será que o plugging se entranhou de maneira tão peremptória na nossa cultura que, pelo menos em matéria de música, estamos fadados a permanecer plugados?

segunda-feira, setembro 24, 2007

Cartografias

mapa da internet, por algum internauta














mapa do Brasil, por um carioca bairrista












mapa dos EUA, por um novaiorquino bairrista










mapa do mundo, por qualquer americano
(clique na foto para ver melhor)





quinta-feira, setembro 20, 2007

ERRATA




Os três camaradas ao meu lado na foto acima estão entre meus melhores amigos e, sorte a minha, são também meus colegas de banda. Após uma justa temporada de hibernação, o ERRATA está de volta, pesado e nervoso como sempre, cínico e debochado como nunca.



Se você curte rock mas quer endurecer sem perder a ternura, é só clicar aqui pra ouvir o som da banda, ou aqui pra ver a galera quebrando tudo ao vivo. E se você tem orkut, junte-se à nossa comunidade clicando aqui e faça quatro malucos felizes!

segunda-feira, setembro 17, 2007

Cartelas de identidade

Que vivemos numa sociedade de consumo, ninguém parece ter mais dúvida. Da mesma forma, sabemos que este consumo não se limita somente a mercadorias como sabão em pó, sapatos, pipocas de microondas e lapiseiras, estendendo-se também a produtos culturais como livros, discos e filmes.

De fato, o fenômeno do consumo cultural é um tema caro aos estudiosos da comunicação, porém parece ainda não ter sensibilizado um número expressivo de sociólogos, que grande parte das vezes se limitam às análises sobre o fetichismo da mercadoria e a consequente "relação fantasmagórica entre coisas" descrita pelo velho Marx no Capital.




Os poucos que se aventuram por esta seara procuram destacar, assim como seus colegas da comunicação, as relações que percebem entre consumo e identidade. Fredric Jameson, por exemplo, vê a “cultura do consumo” presente em nossa vida cotidiana e parte integrante do tecido social. Já Nestor García Canclini, um sociólogo que também navega por estudos antropológicos e da comunicação, defende que “ao consumir também se pensa, se escolhe e reelabora o sentido social”, enfatizando os vínculos entre consumo e cidadania.



Desde os anos 70, pesquisadores do Centre for Contemporary Cultural Studies (CCCS), na Inglaterra, perceberam que a construção identitária juvenil está baseada na apropriação peculiar – e muitas vezes ressignificada – de objetos providos pelo mercado e pela indústria cultural, imprimindo-lhes novos significados. No mesmo diapasão, o sociólogo brasileiro Renato Ortiz enxerga os produtos da cultura de massa, dentre eles o rock n’roll, a guitarra elétrica e os pôsters de artistas (ou mesmo de Che Guevara), como “cartelas de identidade”, que intercomunicam os indivíduos dispersos no espaço globalizado. Segundo o autor, “da totalidade dos traços-souvenirs armazenados na memória, os jovens escolhem um subconjunto, marcando desta forma sua idiossincrasia, isto é, suas diferenças em relação a outros grupos sociais”.



Na contemporaneidade, a construção de estilos de vida passa a ser caracterizada não apenas pelo cultivo interno, mas também pelo abastecimento de repertórios culturais diversos – termo de Canclini – que são resultantes dos novos processos de interação inerentes à chamada globalização. Esta suposta democratização cultural, incensada pelo desenvolvimento dos meios de comunicação, passa a interferir na construção da identidade dos diferentes grupos citadinos, especialmente entre os jovens, que têm como prática a formação de “tribos”, bandos, gangues e galeras, não raro ligadas a determinados estilos musicais e modos espetaculares de aparecimento.



A observação empírica me faz crer que a música é a forma de arte que mais influencia as construções identitárias dos grupos juvenis. É principalmente a estilos musicais específicos, e não a livros, filmes, quadros ou peças de teatro, que as pessoas acabam recorrendo (intencionalmente ou não) na hora de construir uma personalidade própria ou aderir a um grupo específico. É – e digo sem muita dúvida – através de estilos musicais que as “cartelas de identidade” se mostram mais evidentes.



E, na moral, quem é que nunca se vestiu, em algum momento, tal qual um típico metaleiro, forrozeiro, funkeiro, blueseiro, micareteiro, reggaeiro, sambista, hip-hopper ou raver? Na maioria dos casos, a menor distância entre uma pessoa e seu gosto musical é um spike, uma sandália rasteira, um chapéu de palha, um abadá, um par de óculos escuros gigante ou um gorro bordado com uma folhinha de canabis sativa.

sexta-feira, setembro 14, 2007

Esse grande amigo que atende pela alcunha de Cascarravias

O texto de hoje é meio que uma homenagem ao grande Cascarravias, que é o codinome internético desse meu grande amigo, natural da pequena e pacata cidade de Überlândia. Casca é conhecido entre a galera freqüentadora deste muquifo virtual como o mais ferrenho e mordaz comentador, incapaz de perdoar diatribes e arroubos emocionais de jovens mancebos, americanos pomposos ou hare-filhos de paccha hare-mama. As meninas realmente se derretem pelo cara por aqui, a ponto de aventarem a possibilidade da criação de uma comunidade no orkut em sua homenagem – algo que, emocionado, aprovo e apóio.


O que talvez poucos saibam é que, além da cabeça de homem e do coração de menino, Casca é o melhor cozinheiro do Sudeste, talvez do Brasil, quiçá de todo esse mundinho de meu Deus. Além dos homéricos churrascos, como o do meu aniversário (que você confere aqui), já vi o cara cozinhar frango com bacon ao molho de queijos, já o vi fazer um rodízio de pizzas da melhor qualidade, já o vi preparar um atum verdadeiro pra um amigo que pensava que atuns nasciam dentro de pequenas latas, e já o vi rechear tomates com atum e alcaparras, cobri-los com queijo parmesão e levá-los ao forno. Se algum dia eu abrir um restaurante, será a primeira pessoa a quem irei propor sociedade.










E para ilustrar essa homenagem gastronômica, encerro o post com uma foto do jantar que Casca preparou nesta última terça, por ocasião do 11 de Setembro: um verdadeiro rodízio de comidas árabes, que incluiu kafta, esfiha de queijo, arroz com lentilha, quibe cru, homus tahine, pasta de berinjela e salada de grão de bico com trigo. Quem estiver com fome está fudido...