quinta-feira, agosto 30, 2007

Brasileirinho, o filme

Ontem fui ao Canecão ver o show de divulgação do filme Brasileirinho, dirigido pelo finlandês Mika Kaurismäki. O filme, que já passou em vários cantos da Europa, chegou ao Brasil na semana passada. Ainda não fui vê-lo no cinema mas, pelo que li, sei que vou gostar muito. Criticaram o fato de que o filme se foca mais nas interpretações de choros do que sobre a história desse gênero musical – o que não me parece negativo, visto que sou músico e conheço provavelmente 99% do time escalado para aparecer no filme.



Antes de ser gênero, o choro era, ainda no século XIX, a forma estilizada, chorada, que músicos brasileiros tocavam ritmos europeus como a polka, a mazurca, a valsa, o scottish. No início século XX, quando as baianas da Praça 11 (ou Pequena África, como era conhecida aquela região do centro do Rio de Janeiro) abriam suas portas para os músicos tocarem, o choro ganhava lugar de destaque nas casas, sendo tocado na sala de visitas – enquanto o ainda rudimentar samba era tocado na cozinha e os batuques de religiões afro ficavam restritos ao fundo dos quintais.



Embora o samba tenha sido o estilo musical escolhido para forjar a identidade nacional nos tempos de seu Gegê, o choro também ganhou notoriedade graças às belas composições de gente como Jacob do Bandolim, Anacleto de Medeiros, Antonio Callado, Ernesto Nazareth e o mestre inconteste, Pixinguinha. Apesar de geralmente ter uma estrutura fixa, com três partes (A, B, A, C, A, nesta ordem), há muito espaço para improvisações no choro, e muitos músicos virtuoses deixam a gente de cara com suas habilidades – eu, que sou chegado num virtuosismo, cito Raphael Rabello e Yamandu Costa no violão, e Hamilton de Holanda e Joel Nascimento no bandolim, além dos mestres supracitados e de uma porrada de gente que nem querendo eu conseguiria enumerar aqui.




Minha ligação com o choro já foi maior, na época em que eu participava da Escola Portátil de Música, um projeto porreta capitaneado por Mauricio Carrilho, Luciana Rabello e sua gangue. Entre 2004 e 2005, eu tinha que brigar com meus amigos pra ir embora mais cedo do furdunço de sexta à noite para que, no sábado, às 9 da matina, eu estivesse firme e forte tendo aulas de história do choro, harmonia musical e prática de instrumento. Violão, cavaquinho, bandolim, pandeiro, sopros, cada instrumento tinha uma sala e um professor específico (hoje tem até canto por lá). Quando dava meio dia, juntavam todos os cerca de 200 alunos (hoje são mais ainda) e tocávamos, todos juntos, os dois ou três choros ensaiadas no dia. Sinto grandes saudades daquela bagunça organizada: cinquenta violões, trinta pandeiros, vinte cavaquinhos, quinze flautas, dois contrabaixos acústicos, saxofones, trompetes, trombones e muita disposição.




Essas recordações me vêm à memória sempre que vejo shows como o de ontem, onde músicos da primeira divisão do choro brasileiro como Marcello Gonçalves, Zé Paulo Becker, Ronaldo Souza (os caras do Trio Madeira Brasil), Yamandu Costa, os irmãos Beto e Henrique Cazes, Nelsinho do Pandeiro e Cesinha (pai e filho), Tereza Cristina, Pedro Miranda, Zé da Velha e Silvério Pontes têm a oportunidade de dividir o mesmo palco e a mesma satisfação de tocar para um público numeroso e compenetrado. Torço pra que chorinhos e chorões continuem tendo espaço para que possam, com seus talentos, perpetuar este estilo tipicamente brasileiro, nascido e criado na cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro.

sexta-feira, agosto 24, 2007

Seja marginal, seja herói

Chamar alguém de marginal nos dias de hoje tem uma forte conotação pejorativa, mas nem sempre foi assim. Quando o termo começou a ser utilizado na literatura social, o marginal era visto de forma positiva.


Robert Park, por exemplo, que tinha grande interesse em contatos e conflitos culturais, acreditava que “é na mente do homem marginal – onde têm lugar as mudanças e as fusões da cultura – que melhor podemos estudar o processo da civilização e do progresso”. Isso foi em 1928. Antes disso, Georg Simmel já havia dito, em O estranho, que o marginal encontra-se numa posição especial de objetividade e abertura, que lhe aguça as percepções e a criatividade.


Como ocorre no braço de um rio, estar à margem é estar distante da parte mais profunda, ou seja, estar menos suscetível à ação da correnteza, num local onde você tem onde se segurar e não ser levado pelo fluxo das doutrinas e das idéias pré-moldadas. Ser marginal, portanto, é não rezar a cartilha do conformismo e ter mais autonomia individual em relação ao que se pensa, faz e acredita.


É claro que quase todos querem, de alguma forma, ser aceitos em algum grupo como iguais, ao mesmo tempo em que desejam ser únicos e exclusivos, preservando suas idiossincrasias e particularidades. Mas há um preço a ser pago por aqueles que desejam contestar certas regras ou – pior ainda – quebrá-las. Vou ilustrar este argumento com um simples exemplo:


1995, auge do metal entre a minha galera: vestidos de jeans rasgados e camisas pretas, independente da intensidade do calor senegalês carioca, ouvíamos apenas músicas que falavam sobre morte, demônio, cadáveres e escatologias afins. Eu namorava então uma menina metaleira que usava, precisamente, 17 pulseiras de couro no antebraço esquerdo. Eis que, em seu aniversário, com todos os amigos dela enfurnados naquele pequeno apartamento em Bonsucesso, botei o CD Vamo Batê Lata, dos Paralamas do (Bom) Sucesso.




Até quem nunca foi fã do metal extremo pode imaginar os olhares de reprovação que recebi. Aquela galera odiava música brasileira (com exceção de Sepultura, Sarcófago, Ratos de Porão, Korzus e algumas bandas punk) e abominava percussão; a única coisa que neguinho batia era cabeça. E por mais que eu argumentasse que o João Barone era um batera foda e tinha até bumbo duplo no disco, não consegui conter a fúria dos headbangers.





Hoje, o termo marginal está associado ao que se convencionou (erroneamente, claro) chamar de bandido. No mesmo diapasão, criticar e contestar os padrões sociais, religiosos ou políticos só faz de você um marginal se for pobre; se tiver um pouco de grana, provavelmente irão te chamar de “alternativo”.


E com globalizações e demais processos homogeneizantes à vista, tem-se cada vez menos espaço para ser diferente: basicamente, só quem pode fazê-lo livremente são os adolescentes: “seja você, mesmo que seja bizarro”, canta a baiana Pitty, para delírio dos teens. Mas seja você por enquanto, porque depois da faculdade, meu velho, vai ter que cortar esse cabelo ridículo, sentar em frente a um computador e começar a receber ordens de um recalcado qualquer.


Parece pesadelo? Bom, por aqui isso tem outro nome: chamam de sucesso profissional.







As posições de Park e Simmel foram extraídas de O Mito da Marginalidade, livro de Janice Perlman.

terça-feira, agosto 21, 2007

No tempo em que Plutão era planeta

Título descaradamente vilipendiado de Diogo Lyra



Durante toda a minha vida escolar, aprendi que tínhamos 9 planetas no nosso Sistema Solar: Mercúrio, Vênus, Terra, Marte, Júpiter, Saturno, Urano, Netuno e Plutão. Este último sempre foi um dos que mais me intrigava, por ser o mais nanico e também o mais distante do Sol; imaginava eu que, se vivêssemos naquele frio planetinha, jamais completaríamos sequer um ano de existência – que lá tem a duração de 248 dos nossos.


Então – sendo agora obrigado a recorrer a um dos piores trocadilhos da astronomia – imaginem o quão puto, mas muito puto, putão mesmo, eu fiquei quando soube que o curioso nano-planeta havia sido rebaixado para a segunda divisão dos corpos celestes, sendo levado a dividir modestos campos de várzea com Éris e Ceres.


Pois bem: o que já era motivo de tristeza e indignação, levando alguns amigos a reportarem-se saudosa e nostalgicamente ao tempo em que plutão era planeta, praticamente transformou-se em motivo de chacota quando, ao pesquisar no Wikipedia (a enciclopédia dos que são do tempo em que Plutão já jogava na segundona), descobri que Plutão, desde 2006, é classificado como planeta ANÃO!!!


É ou não é uma sacanagem? Afinal, somos nós, terráqueos, que inventamos tais categorias escusas. Do alto de nossa arrogância, consideramos que Plutão não passa de um salva-vidas de aquário, de um reles pintor de rodapé. Já posso ouvir astrônomos e mesmo astrólogos fazendo chacota com nosso irmão caçula: Pedala, Plutão!, é o que imagino gritarem.


Não obstante, visto em um contexto mais universal, nosso próprio planetinha azul não passa de um pequeno grão, de uma verdadeira poeirinha cósmica, como vocês poderão observar abaixo.

































Pois é, perto do Sol não somos merda nenhuma, e perto de outras estrelas de maior grandeza não somos nem mesmo visíveis, o que mostra nossa imensurável pequenez neste universo que nos cerca. E é com este espírito de humildade terrena que inicio, desde já, uma campanha de dimensões astronômicas, certo de que não estarei sozinho na defesa dessa reivindicação, expressa no refrão que bradaremos, eu e todos os meus companheiros, aos quatro cantos da galáxia:



ÃO ÃO ÃO

Queremos Plutão

Na primeira divisão!



sexta-feira, agosto 17, 2007

Uma bela e singela redação

para Gigi e Vivi



A redação que transcrevo abaixo foi feita por uma aluna do curso de Letras da UFPE, vencedora de um concurso interno promovido pelo professor titular da cadeira de Gramática Portuguesa. Como tenho grande interesse por línguas (com e sem trocadilho) e queria divulgar esse texto pra muitos amigos, achei que a melhor maneira de fazê-lo seria publicá-lo aqui. Então vamos ao texto:




* * *



Era a terceira vez que aquele substantivo e aquele artigo se encontravam no elevador. Um substantivo masculino, com um aspecto plural, com alguns anos bem vividos pelas preposições da vida. E o artigo era bem definido, feminino, singular: era ainda novinha, mas com um maravilhoso predicado nominal.


Era ingênua, silábica, um pouco átona, até ao contrário dele: um sujeito oculto, com todos os vícios de linguagem, fanáticos por leituras e filmes ortográficos. O substantivo gostou dessa situação: os dois sozinhos, num lugar sem ninguém ver e ouvir. E sem perder essa oportunidade, começou a se insinuar, a perguntar, a conversar.


O artigo feminino deixou as reticências de lado, e permitiu esse pequeno índice. De repente, o elevador pára, só com os dois lá dentro: ótimo, pensou o substantivo, mais um bom motivo para provocar alguns sinônimos. Pouco tempo depois, já estavam bem entre parênteses, quando o elevador recomeça a se movimentar: só que em vez de descer, sobe e pára justamente no andar do substantivo. Ele usou de toda a sua flexão verbal, e entrou com ela em seu aposto.


Ligou o fonema, e ficaram alguns instantes em silêncio, ouvindo uma fonética clássica, bem suave e gostosa. Prepararam uma sintaxe dupla para ele e um hiato com gelo para ela. Ficaram conversando, sentados num vocativo, quando ele começou outra vez a se insinuar.


Ela foi deixando, ele foi usando seu forte adjunto adverbial, e rapidamente chegaram a um imperativo, todos os vocábulos diziam que iriam terminar num transitivo direto.


Começaram a se aproximar, ela tremendo de vocabulário, e ele sentindo seu ditongo crescente: se abraçaram, numa pontuação tão minúscula, que nem um período simples passaria entre os dois.


Estavam nessa ênclise quando ela confessou que ainda era vírgula; ele não perdeu o ritmo e sugeriu uma ou outra soletrada em seu apóstrofo.


É claro que ela se deixou levar por essas palavras, estava totalmente oxítona às vontades dele, e foram para o comum de dois gêneros. Ela totalmente voz passiva, ele voz ativa. Entre beijos, carícias, parônimos e substantivos, ele foi avançando cada vez mais: ficaram uns minutos nessa próclise, e ele, com todo o seu predicativo do objeto, ia tomando conta.


Estavam na posição de primeira e segunda pessoa do singular, ela era um perfeito agente da passiva, ele todo paroxítono, sentindo o pronome do seu grande travessão forçando aquele hífen ainda singular. Nisso a porta abriu repentinamente. Era o verbo auxiliar do edifício. Ele tinha percebido tudo, e entrou dando conjunções e adjetivos nos dois, que se encolheram gramaticalmente, cheios de preposições, locuções e exclamativas. Mas ao ver aquele corpo jovem, numa acentuação tônica, ou melhor, subtônica, o verbo auxiliar diminuiu seus advérbios e declarou o seu particípio na história.


Os dois se olharam, e viram que isso era melhor do que uma metáfora por todo o edifício. O verbo auxiliar se entusiasmou e mostrou o seu adjunto adnominal. Que loucura, minha gente. Aquilo não era nem comparativo: era um superlativo absoluto.


Foi se aproximando dos dois, com aquela coisa maiúscula, com aquele predicativo do sujeito apontado para seus objetos. Foi chegando cada vez mais perto, comparando o ditongo do substantivo ao seu tritongo, propondo claramente uma mesóclise-a-trois. Só que as condições eram estas: enquanto abusava de um ditongo nasal, penetraria ao gerúndio do substantivo, e culminaria com um complemento verbal no artigo feminino.


O substantivo, vendo que poderia se transformar num artigo indefinido depois dessa, pensando em seu infinitivo, resolveu colocar um ponto final na história: agarrou o verbo auxiliar pelo seu conectivo, jogou-o pela janela e voltou ao seu trema, cada vez mais fiel à língua portuguesa, com o artigo feminino colocado em conjunção coordenativa conclusiva.

quarta-feira, agosto 15, 2007

Nietzsche e o egoísmo

Sou, como todo ser humano (ainda que poucos estejam dispostos a admiti-lo), egoísta. Lembro que, quando criança, defendia a tese de que tudo que fazemos possui, necessariamente, algum intuito de satisfação pessoal. Mesmo quando aparentemente fazemos algo direcionado a outrem – como dar flores à namorada ou algum dinheiro a um sujeito pobre – a motivação tem um fundo de auto-regozijo, expresso, por exemplo, na satisfação pessoal de se estar fazendo algum bem a outra pessoa.


Defender abertamente essa teoria tinha um preço: as pessoas tendiam a me achar uma criança auto-centrada (risco que, pelo visto, correrei para sempre). Por isso, fiquei bastante feliz em ver que Friedrich Nietzsche parece concordar com tal pensamento.


O trecho que citarei abaixo não foi escrito pelo filósofo; na verdade, li pouquíssima coisa da obra de Nietzsche (erro que pretendo corrigir na primeira oportunidade que tiver). Pertence, de fato, ao livro Quando Nietzsche chorou, primeiro romance do psicoterapeuta Irvin D. Yalom, que usa de seus atributos literários e intelectuais para narrar um fictício encontro entre o filósofo e Josef Brauer, um dos pais da psicanálise e mentor de Freud (que também é personagem do livro).


Lá pelas tantas, quando Nietzsche questiona o doutor sobre suas reais motivações em querer tratá-lo, Breuer tenta explicar que ajudar as pessoas a aliviar suas dores é sua atividade – resposta que não satisfaz Nietzsche. Vendo a negação do filósofo em aceitar tal argumento, Breuer devolve-lhe a mesma pergunta: “Para quê, então, filosofa?”. E recebe a seguinte porrada do bigodudo:



“Ah! Existe uma importante distinção entre nós. Eu não alego que filosofo para si, enquanto o senhor, doutor, continua fingindo que sua motivação é servir-me, aliviar minha dor. Tais alegações nada têm a ver com a motivação humana. Elas fazem parte da mentalidade de escravo astutamente engendrada pela propaganda sacerdotal. Disseque suas motivações mais profundamente! Achará que jamais alguém fez algo totalmente para os outros. Todas as ações são autodirigidas, todo serviço é auto-serviço, todo amor é amor-próprio. (...) Parece surpreso com esse comentário? Talvez esteja pensando naqueles que ama. Cave mais profundamente e descobrirá que não ama a eles: ama isso sim as sensações agradáveis que tal amor produz em você! Ama o desejo, não o desejado.”

quinta-feira, agosto 09, 2007

Einstein e o Socialismo

Minha querida amiga Dida fez a tradução de um texto de Einstein chamado "Por que Socialismo?", para ser publicado no jornal eletrônico que seus alunos (os dela, claro) estão criando na Cândido Mendes de Niterói. Com isto, Dida nos presenteou com a possibilidade de entrar em contato com algumas opiniões políticas do grande gênio da física, às quais não teríamos acesso devido ao nosso parco conhecimento de alemão (com algumas exceções, né Jana?).

Trata-se de um artigo escrito para o lançamento do primeiro volume da famosa revista de esquerda norte-americana Monthly Review, saído em 1949. Quem tiver curiosidade de ler o texto na íntegra pode enviar um e-mail para errata@oi.com.br solicitando-o. Abaixo, reproduzo alguns trechos deste ótimo texto para o deleite de vocês, queridos leitores.

Por que Socialismo?

Albert Einstein (maio de 1949)


(...) O homem é, a um só e mesmo tempo, um ser solitário e social. Enquanto ser solitário ele almeja proteger sua própria existência e aquela daqueles que são mais próximos a ele, para satisfazer seus desejos pessoais e para desenvolver suas habilidades inatas. Como ser social, ele busca ganhar o reconhecimento e o afeto de seus companheiros humanos, compartilhar seus prazeres, confortá-los em suas dores, e melhorar suas condições de vida. Apenas a existência dessas ambições variadas, e freqüentemente conflituosas, dá conta do caráter especial de um homem, e a sua combinação específica determina a extensão com que um indivíduo pode alcançar um equilíbrio interno e pode contribuir para o bem-estar da sociedade. É bem possível que a força relativa desses dois impulsos seja fixada principalmente pela herança. Mas a personalidade que finalmente emerge é largamente formada pelo ambiente no qual aconteceu a um homem encontrar-se durante seu desenvolvimento, pela estrutura da sociedade na qual ele cresceu, pela tradição dessa sociedade, e pela sua avaliação de tipos particulares de comportamento. O conceito abstrato de “sociedade” significa para o ser humano individual a soma total de suas relações diretas ou indiretas com seus contemporâneos e com todas as pessoas das gerações anteriores. O indivíduo está apto a pensar, se empenhar e trabalhar por si mesmo; mas ele depende tanto da sociedade – em sua existência física, intelectual e emocional – que é impossível pensar nele ou compreendê-lo fora da moldura da sociedade. É a sociedade que provê o homem de comida, vestuário, lar, ferramentas de trabalho, linguagem, formas de pensamento, e a maior parte do conteúdo de pensamento; sua vida é tornada possível pelo trabalho e pelas realizações de vários milhões no passado e no presente, os quais estão escondidos por trás da pequena palavra “sociedade”.


(...) O homem adquire de nascimento, através da hereditariedade, uma constituição biológica que nós podemos considerar fixa e inalterável, incluindo os impulsos naturais que são característicos da espécie humana. Além disso, durante seu tempo de vida o homem adquire uma constituição cultural que ele adota da sociedade através da comunicação e de vários outros tipos de influência. É essa constituição cultural que, com o passar do tempo, está sujeita à mudança, e que determina numa grande extensão a relação entre o indivíduo e a sociedade. A moderna antropologia nos ensinou, através do método comparativo de investigação das assim chamadas culturas primitivas, que o comportamento social dos seres humanos pode diferir tremendamente dependendo dos padrões culturais e dos tipos de organização que predominam em sociedade. É por isso que aqueles que estão se empenhando em aprimorar a sorte do Homem podem aumentar suas esperanças: os seres humanos não estão condenados por sua constituição biológica a aniquilar uns aos outros ou a estar à mercê de um destino cruel auto infligido.


Se nós nos perguntarmos como a estrutura da sociedade e a atitude cultural do homem devem ser mudadas a fim de tornar a vida humana tão satisfatória quanto for possível, nós deveríamos estar constantemente conscientes do fato de que existem certas condições que são impossíveis de modificar. Como mencionado antes, a natureza biológica do homem não está, para todos os fins práticos, sujeita à mudança. Mais ainda, os desenvolvimentos tecnológicos e demográficos dos últimos poucos séculos criaram condições que vieram para ficar. Em populações relativamente munidas dos bens que são indispensáveis à continuação de sua existência, uma extrema divisão do trabalho e um aparato produtivo altamente centralizados são absolutamente necessários. Já foi para sempre o tempo – o qual, olhando para trás, parece tão idílico – em que indivíduos ou grupos relativamente pequenos podiam ser completamente auto-suficientes. É apenas um leve exagero dizer que a humanidade constitui já hoje uma comunidade planetária de produção e consumo.


Agora alcancei o ponto em que eu posso brevemente indicar o que constitui para mim a essência da crise do nosso tempo. Ela concerne à relação entre indivíduo e sociedade. O indivíduo tornou-se mais consciente do que nunca da sua dependência em relação à sociedade. Mas ele não experimenta essa dependência como um patrimônio positivo, como um laço orgânico ou como uma força protetora, mas antes como uma ameaça aos seus direitos naturais, ou mesmo à sua existência econômica. Mais ainda, sua posição em sociedade é tal que os impulsos egoístas de sua constituição estão sendo constantemente acentuados, enquanto seus impulsos sociais, que são fracos por natureza, deterioram progressivamente. Todos os seres humanos, qualquer que seja sua posição na sociedade, estão sofrendo esse processo de deterioração. Prisioneiros não conscientes de seu próprio egoísmo, eles se sentem inseguros, solitários e privados do ingênuo, simples e não sofisticado aproveitamento da vida. O homem só pode encontrar sentido na vida, curta e perigosa como ela é, através de sua devoção à sociedade.


A anarquia econômica da sociedade capitalista tal como existe hoje é, em minha opinião, a real origem do mal. Vemos antes de nós uma enorme comunidade de produtores, cujos membros estão almejando incessantemente tirar uns dos outros os frutos do seu trabalho coletivo – não pela força, mas no geral em cumprimento fiel das leis legalmente estabelecidas. A esse respeito, é importante nos darmos conta de que os meios de produção – que correspondem, por assim dizer, à inteira capacidade produtiva que é necessária para a produção de bens de consumo, tanto quanto de bens de capital – podem ser legalmente, e o são em sua maior parte, a propriedade privada de indivíduos.


(...) O capital privado tende a se tornar concentrado em poucas mãos, em parte por causa da competição entre os capitalistas, e em parte pelo desenvolvimento tecnológico, e a crescente divisão do trabalho encoraja a formação de grandes unidades de produção às expensas das pequenas. O resultado desse desenvolvimento é uma oligarquia do capital privado, cujo enorme poder não pode ser efetivamente controlado mesmo por uma sociedade política democraticamente organizada. Isso é verdade visto que os membros do corpo legislativo são selecionados pelos partidos políticos, largamente financiados ou de alguma forma influenciados pelos capitalistas privados, que, para todos os fins, separam o eleitorado do governo eleito. A conseqüência é que os representantes do povo não protegem os interesses dos setores desprivilegiados da população. Mais do que isso, sob tais condições os capitalistas privados controlam inevitavelmente, direta ou indiretamente, as principais fontes de informação (imprensa, rádio, educação). Portanto, seria extremamente difícil para o cidadão individual, e mesmo impossível na maioria dos casos, chegar a conclusões objetivas e fazer um uso inteligente de seus direitos políticos.


(...) A produção é orientada pelo lucro, não pelo uso. Não há previsão de que todos aqueles aptos e desejosos de trabalho estejam em posição de encontrar emprego; um “exército de desempregados” existe quase sempre. O trabalhador está constantemente com medo de perder seu emprego. Desde que desempregados e mal pagos, os trabalhadores não constituem um mercado lucrativo, a produção de bens de consumo é restrita, e um grande sofrimento é a conseqüência. O progresso tecnológico resulta freqüentemente em mais desemprego do que em um alívio do fardo do trabalho para todos. A motivação do lucro, em conjunção com a competição entre os capitalistas, é responsável por uma instabilidade na acumulação e utilização do capital, o que leva a depressões cada vez mais severas. A competição ilimitada leva a um enorme desperdício de trabalho e ao enfraquecimento da consciência dos indivíduos, a qual mencionei acima.


Eu considero esse enfraquecimento dos indivíduos o pior mal do capitalismo. Nosso sistema educacional como um todo sofre desse mal. Uma atitude competitiva é inculcada no estudante, que é treinado para adorar o sucesso aquisitivo como preparação para a sua futura carreira.


Estou convencido de que há apenas um caminho para eliminar esses graves males, nomeadamente através do estabelecimento de uma economia socialista, acompanhada de um sistema educacional que seria orientado para fins sociais. Numa tal economia, os meios de produção são possuídos pela sociedade ela mesma, e são utilizados de uma maneira planejada. Uma economia planejada que ajustasse a produção às necessidades da comunidade distribuiria o trabalho a ser feito entre todos aqueles aptos a trabalhar, e garantiria uma vida decente a cada homem, mulher e criança. A educação do indivíduo, somada à promoção de suas habilidades inatas, procuraria desenvolver nele um senso de responsabilidade para com seus companheiros homens, em lugar da glorificação do poder e do sucesso em nossa sociedade presente.


Contudo, é necessário recordar que uma economia planejada ainda não é o socialismo. Uma economia planejada como tal deve ser acompanhada pela desescravização do indivíduo. O alcance do socialismo requer a solução de alguns problemas sócio-políticos extremamente difíceis: como é possível, em vista de uma abrangente centralização do poder econômico-político, prevenir que a burocracia torne-se toda poderosa e onipresente? Como os direitos do indivíduo podem ser protegidos, e com isso um contrapeso democrático ao poder da burocracia ser assegurado?


Claridade sobre os fins e problemas do socialismo é da maior significância em nossa idade de transição. Dado que nas presentes circunstâncias a discussão livre e desimpedida desses problemas tornou-se um poderoso tabu, eu considero que a fundação dessa revista constitua um importante serviço público.

segunda-feira, agosto 06, 2007

Aos 29





Ontem, domingão, fiz vinte e poucos pela última vez na vida. Comemorei com carnes, cervejas, caipirinhas, caipiroskas, rock n’roll ao vivo e muitas pessoas especiais, que deram o próprio sangue para estar comigo nesse momento tão singelo.







O evento só aconteceu graças à ajuda e colaboração de muita gente boa e, dentre essas pessoas, faço questão de destacar e homenagear o camarada Andrada, que pilotou a churrasqueira com a maestria e o ódio de sempre.





Um brinde a todos os meus grandes amigos e amigas,

e até o próximo furdunço!