sexta-feira, novembro 23, 2007

4

Em 1991, ano do Rock In Rio II, o jovem Arthur arranhava incipientes solos e acordes em sua primeira guitarra, uma Gianinni Stratosonic preta que tinha um adesivo do Bart Simpson, comprada um ano antes. I used to love her foi a primeira canção que aquele garoto de 12 anos que queria mudar o mundo aprendeu a tocar, fruto da influência das bandas que se apresentaram no festival supracitado.


E foi neste mesmo ano de 1991 que o jovem Arthur conheceu um magrelo cabeludo chamado Leonardo Villas Boas, vizinho de bairro com um ano a mais de vida e de experiência guitarrística. No mesmo dia em que se conheceram, o jovem Lelo emprestou ao jovem Arthur uma fita cassete e um disco de vinil, que influenciariam decisivamente o gosto musical deste último.





A fita cassete continha a gravação do quarto disco do Led Zeppelin (sem título, conhecido como IV, ZoSo ou Four Symbols), disco cujo valor devido o jovem Arthur só daria anos mais tarde. E o vinil tratava-se de ...And Justice For All, do Metallica. Aparentemente, não são notadas maiores semelhanças entre os dois álbuns, tirando o fato de serem ambos bons discos de rock. Mas atentem para o detalhe percebido por um cara que, apesar de ser das letras, é também fascinado por relações numéricas:


Led Zeppelin IV, de 1971, é, obviamente, o quarto disco do Led. E ...And Justice, de 1988, é o quarto disco do Metallica. A quarta faixa do quarto disco do Led é Stairway to heaven, talvez a balada de rock mais conhecida do mundo (o disco é um dos mais vendidos do mundo, ultrapassando as 30 milhões de cópias). E a quarta faixa do quarto disco do Metallica é One, a balada mais conhecida da banda e o primeiro clipe deles oficialmente lançado. Ambas as canções são baladas épicas que duram em torno de 7 minutos, com vários climas, indo do dedilhado melódico ao peso da distorção, com um super solo de guitarra no fim. E foram as duas canções que praticamente me hipnotizaram naquele dia longínquo.


Na época, eu já simpatizava bastante com o número 4, que é o andamento básico de quase todo roquenrol (além de representar milhares de outras coisas, como os 4 elementos da natureza, os 4 pontos cardeais, os 4 cavaleiros do apocalipse, os 4 tipos durkheimianos de suicídio etc.). Mas depois desta fenomenal coincidência, elegi definitivamente o 4 como meu número da sorte.







Se você também é fascinado por relações numéricas, a ponto de ficar efetuando operações aritméticas com os números da placa do carro da frente, vá ler O Homem que Calculava, de Malba Tahan. E se você curte um bom rock n’roll, vá ouvir não só o quarto álbum, mas TODA a discografia do Led Zeppelin!

segunda-feira, novembro 19, 2007

Exercícios de Retórica

Certeza XXIII:
Queria ser a pessoa inconstante que sou para sempre. Mas como estou sempre mudando, isso dificilmente acontecerá.



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Aforisma IV:
Existem dois tipos de pessoas no mundo: as que acreditam que existem dois tipos de pessoas no mundo, e as que discordam dessa visão.



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Lei XLII:
A frase “eu nunca minto” pode ser usada por qualquer um. Um potencial mentiroso estaria apenas mentindo mais uma vez e, afinal de contas, o que é um peido pra quem já tá cagado?



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Axioma XII:
Se algum amigo, chefe ou caso amoroso discordar constantemente do que você diz, simplesmente diga: “você nunca concorda comigo!!!”. Qualquer que seja a resposta, a pessoa lhe dará razão.



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Regra I:
Toda regra tem sua exceção. Com exceção desta.

terça-feira, novembro 13, 2007

A terceira idade de Paulinho




Desde o dia de ontem, 12 de novembro, Paulinho da Viola já pode andar de ônibus sem pagar passagem e sentar nos bancos de cor laranja do metrô. Se o visse no ônibus, tal como Paulo Bono em relação a Dona Canô, eu cederia meu lugar a este grande sambista, que completou 65 anos mantendo a mesma calma e serenidade que sempre foram características de sua personalidade.



Filho de César Faria, violonista do conjunto Época de Ouro (que acompanhava Jacob do Bandolim) que faleceu há poucas semanas, Paulinho cresceu respirando música na sua casa em Botafogo, onde conheceu sambistas e chorões como o próprio Jacob, Pixinguinha, Canhoto da Paraíba e muitos outros músicos de primeira linha. Através do amigo Hermínio Bello de Carvalho, Paulinho ouviu sambas de compositores como Zé Ketti, Elton Medeiros, Carlos Cachaça, Cartola e Nelson Cavaquinho.



Foi também Hermínio quem o levou para conhecer o Zicartola, lendário restaurante do sambista Cartola e sua mulher, dona Zica, localizado na tradicional rua da Carioca, onde artistas, jornalistas, intelectuais e outras pessoas se reuniam para ouvir Cartola, Zé Ketti, Elton Medeiros entre outros. O Zicartola funcionou por apenas 20 meses (entre 1963 e 1965), tornando-se ponto de encontro de sambistas da zona norte e estudantes da zona sul. Foi lá onde Paulinho recebeu seu primeiro pagamento como músico (um “troco pra passagem” dado por Cartola) e onde ganhou, de Zé Ketti e Sérgio Porto, seu nome artístico (afinal, Paulo César não era nome de sambista, diziam. Leia mais sobre essas histórias aqui).



Nesta mesma época iniciou-se a paixão do sambista pela Portela, escola onde desfilaria pela primeira vez em 1965. Já no carnaval seguinte, a escola se consagraria campeã com um samba de Paulinho, que recebeu dos jurados a nota máxima. No mesmo ano de 1966, Paulinho lançou o seu primeiro disco como artista solo, Na Madrugada (em parceria com Elton Medeiros), que contém a música “14 anos”, uma das letras que mais gosto:



Tinha eu 14 anos de idade / Quando meu pai me chamou / Perguntou se eu não queria / Estudar filosofia / Medicina ou engenharia / Tinha eu que ser doutor / Mas a minha aspiração / Era ter um violão / Para me tornar sambista / Ele então me aconselhou / Sambista não tem valor / Nesta terra de doutor (...)




Segundo consta na biografia do seu site oficial, o período mais fértil de Paulinho é aquele em que compreende os 11 discos que lançou pela gravadora Odeon. São, na minha opinião, os melhores discos do cantor, com destaque para vários títulos como Zumbido, Memórias Chorando e Memórias Cantando. Mas o melhor de todos, na minha modesta opinião, é A Dança da Solidão, de 1972, que contém as canções “Ironia”, “Pagode na casa do Vavá”, a homônima “Dança da Solidão” e a minha predileta: “Meu mundo é hoje”, a melhor letra escrita pelo hoje sexagenário Paulinho da Viola:



Eu sou assim, quem quiser gostar de mim eu sou assim.
Meu mundo é hoje não existe amanhã pra mim
Eu sou assim, assim morrerei um dia.
Não levarei arrependimentos nem o peso da hipocrisia.
Tenho pena daqueles que se agacham até o chão
Enganando a si mesmo por dinheiro ou posição
Nunca tomei parte desse enorme batalhão
Pois sei que além de flores, nada mais vai no caixão.








Dicas pra quem curte Paulinho: todos os cds da fase Odeon, que foram relançados e são encontrados nas Americanas a 10 pratas cada, e os DVDs Meu tempo é hoje (um documentário sobre o cantor), Acústico MTV (que saiu agora em 2007) e Saravá, um filme de 1969 feito pelo francês Pierre Barouh que, além de imagens de Paulinho da Viola, tem também registros raros de Maria Bethânia, Baden Powell, João da Bahiana e Pixinguinha.

quinta-feira, novembro 08, 2007

Владимир Ильич Ленин

"Um passo atrás e dois pra frente é um progresso"
Lenin





Ontem foram completos 90 anos desde que, liderando o exército vermelho bolchevique, os camaradas Lenin e Trotsky tomaram o poder na Rússia, motivados pelos ideais de Marx e Engels (principalmente no que concerne a Filosofia da Práxis e os escritos do Manifesto do Partido Comunista). A guerra civil que então se instaurou no país resultaria, entre outras coisas, na derrota do menchevique Kerenski e do exército branco (formado por asseclas do czar Nicolau II), na retirada da Rússia da Primeira Grande Guerra (no próprio ano de 1917), na supressão das grandes propriedades rurais da Igreja e da nobreza (confiadas agora à direção de comitês agrários formados por camponeses), no controle das fábricas pelos operários e na criação do Partido Comunista - além, é claro, da criação, em 1924, da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, a URSS.




Em que pese qualquer crítica referentes à forma como o socialismo foi implantado e gerido naquele país, é evidente que o triunfo da Revolução Russa mostrou ao mundo uma alternativa ao modelo (econômico, político e ideológico) capitalista e à especulação financeira - que logo depois, na crise de 1929, mostraria uma de suas faces mais grotescas. E qual a melhor forma de se lembrar de tão importante e singular acontecimento? Enchendo o bucho de bebidas e comidas típicas, é claro!!!






Quem lê este blog há algum tempo sabe que Cascarravias é o melhor piloto de fogão abaixo da linha do Equador. E foi com a ajuda de seus dotes culinários que recebi minha bonita, Gigi, Juliano, Davos, Zucca, Ledas, Dida e o pequeno Francisco (ainda na barriga da mãe) para rodadas de caipirinhas de vodka e alguma cerveja, é claro, que ninguém é de ferro. O prato principal não poderia deixar de ser strogonoff - que, originalmente, tratava-se de uma gororoba feita da mistura de tiras de carne com sal grosso e vodka que os soldados russos carregavam em suas andanças no século XVI, e que foi modificada pelos franceses, séculos depois, com a introdução do molho de tomate e a supressão da vodka, tornando-se mais próxima ao "estrogonofe" que conhecemos.










E depois da janta, com o bucho mais cheio, comecei a pensar que eu me organizando posso desorganizar. Palavras de um pernambucano do fim do século XX, que evocam a filosofia basilar do vitorioso Soviet de Petrogrado.

segunda-feira, novembro 05, 2007

Dia de São Flávio


Quinta passada, mais que dia de todos os santos e véspera de feriado, foi data da celebração dos 50 anos do Flávio, esse sujeito que você vê ao lado da minha mãe na foto acima. Está, aliás, ao lado dela desde que eu tinha 12 anos. Naquela época, Flávio soube encarar meu estranhamento inicial com muita paciência, bom humor e alguma malandragem (no primeiro dia que saímos juntos, pagou-me uma dezena de picolés dragão chinês na praia. Isso mesmo, uma dezena).


Tenho contato permanente com meu pai biológico (que mora em São José dos Campos com a esposa e minha irmã caçula, doze anos mais nova), mas pouquíssimo convívio. Já o Flávio, mesmo sem contribuir com material genético, foi sem dúvida muito importante para minha formação e socialização enquanto filho, enquanto amigo e enquanto homem. Trouxe uma nova perspectiva para uma casa habitada por um adolescente e duas moças (minha mãe e minha irmã, essa cinco anos mais nova). Viveu os maiores perrengues da vida paterna, que estão na fase da educação de jovens rebeldes. Eu era uma peste e, não importa qual fosse a merda na qual me envolvesse, Flávio sempre estava lá, ajudando minha mãe a não aumentar a taxa de mulheres que sofrem ataques cardíacos antes dos 40.


Hoje, passados mais de quinze anos, consigo avaliar o quão importante foi esta entrada do Flavinho na minha vida e na de minha família, e quantas mudanças positivas ele trouxe para nós, com seu bom humor, sua malandragem e seu talento para gracinhas bobas de duplo sentido (um dos grandes legados que herdei, com muito orgulho). E estou certo de que, com exceção de cabelos, ele também ganhou muita coisa ao ser recebido no seio da família.


Um beijo, Flavinho, e um feliz aniversário do teu filho de criação.





p.s. – se você leu a palavra “seio” no último parágrafo e pensou em sacanagem, entendeu como é que a nossa cabeça funciona!



p.p.s. – se você leu a palavra “cabeça” e pensou besteira de novo, bem-vindo ao clube!

quinta-feira, novembro 01, 2007

Kant, o filósofo virgem

O alemão Immanuel Kant (1724-1804) prestou um grande serviço à filosofia de sua época, que era dominada por duas correntes distintas de pensamento: de um lado, racionalistas como o holandês Spinoza e o francês Descartes (aquele que pensa, logo existe) formavam a galera do continente, que via na consciência do homem a base de todo o conhecimento humano. Do outro, empiristas como o escocês Hume, o o inglês Locke e o irlandês Berkeley (que dizia que “ser é ser percebido”) fechavam com o bonde da ilha, apostando que as coisas só existem a partir do momento em que podem ser percebidas pelos sentidos humanos.


Pra resolver a pendenga filosófica, Kant desenvolveu um pensamento nem tanto ao mar nem tanto à terra, acreditando que os racionalistas atribuíam uma importância exagerada à razão, enquanto os empíricos eram parciais demais ao defender a experiência centrada nos sentidos. Ou seja: Kant concordava com os empíricos quanto ao fato de que devemos todos os nossos conhecimentos às impressões dos sentidos. Mas, puxando a sardinha pro lado dos racionalistas, dizia que nossa razão também contém pressupostos importantes para o modo como percebemos o mundo à nossa volta. Em nós mesmos, portanto, existem certas condições que determinam nossa concepção do mundo, mundo este que só pode resultar de uma representação que fazemos de todas as condições e determinações extrínsecas. Assim, Kant concorda com a idéia de Hume de que nunca saberemos como o mundo é “em si”, mas apenas como é “para mim” ou “para nós”.


Para Simmel, o conceito de individualidade adquire a sublimação intelectual mais elevada na filosofia de Kant. Isto porque situa na liberdade todo o valor moral do ser humano, valor este que depende da responsabilidade que temos perante nossos atos. Daí deriva a fórmula do imperativo categórico de Kant: “Age apenas segundo aquelas máximas através das quais possas, ao mesmo tempo, querer que elas se transformem numa lei geral”. Esta frase, sem dúvida a mais reproduzida do filósofo, expressa uma ordem e uma generalidade (por isto chamada de imperativo categórico) calcadas na busca pela igualdade dos homens.


Tais valores – igualdade, individualismo, liberdade – são basilares da cultura que surgiu na Europa do século XVIII, e encontraram em Kant o seu principal baluarte filosófico. Jostein Gaardner, em O Mundo de Sofia (um belo livro pra quem deseja iniciar-se na história da filosofia ocidental), acredita que, com Kant, termina “toda uma épica da história da filosofia”, já que o filósofo teria conseguido “encontrar uma saída para o impasse a que a filosofia tinha chegado através da briga entre racionalistas e empíricos”.


Se você está pensando algo do tipo “um cara como esse não deve ter sido normal; no mínimo, deve ter morrido virgem”, provavelmente está certo. O comportamento profundamente metódico do alemão faz o personagem de Jack Nicholson no filme Melhor Impossível parecer um adolescente revoltado. Kant passou seus 80 anos de vida sem sair de sua cidade natal, a pacata Königsberg (que hoje se chama Kaliningrado e pertence à Rússia). Acordava pontualmente às 5 da manhã e deitava-se às dez da noite; dizem que os vizinhos podiam acertar o relógio pela hora que percorria o bosque da cidade. Antes de dormir, ia para o quarto – cujas janelas ficavam fechadas o ano inteiro – e se enfiava na cama de barriga para cima. Puxava a ponta do cobertor por sobre o ombro direito, passava-a por trás das costas até o outro ombro e daí trazia-a até a altura do umbigo. Devidamente empacotado, embarcava no sono. Caso alguma necessidade o despertasse no meio da noite, uma corda presa entre a cama e o vaso sanitário lhe servia de guia para não tropeçar no escuro.


Mas e a vida sexual do cara, não é disso que queremos saber? Ora, basta dar uma olhada no livro A Vida Sexual de Immanuel Kant, escrito nos anos 40 pelo francês Jean-Baptiste Botul. Lá, descobrimos que Kant achava o sexo um desperdício de energia vital. Para ele, o sêmen, a saliva e o suor eram fluidos que, preservados, ativavam o metabolismo e tinham potencial rejuvenescedor. Expelidos, trariam fraqueza e envelhecimento precoce. Por isso, Kant caminhava bem devagar – para não transpirar – e condenava veementemente a masturbação.



Como se vê, é fácil supor que o cara morreu mesmo virgem – e o que é pior, nem uma bronha batia, já que considerava a atividade um desperdício de fluidos. Não duvido que, se todo o tempo que neguinho gasta por aí falando merda, pensando sacanagem e suando no calor brasileiro fosse empregado em investigações intelectuais, teríamos produzido incontáveis tratados filosóficos e criado a mais importante escola de pensamento do planeta.